Nós, eles e a delegação de competências

Hoje, à conversa com um profissional Médico de Saúde Pública (MSP), nomeado Autoridade de Saúde (AS), discutiu-se (entenda-se falou-se), entre outras coisas, acerca do papel dos MSP/AS nos Serviços de Saúde Pública e da delegação de competências de actos a desempenhar pelas AS, cometidas a Técnicos de Saúde Ambiental (TSA).

Se por um lado, não devemos confundir o termo “chefe”, com o de “coordenador”, também não é – ou não deve ser – confundido o papel de AS com o de MSP, nem tão pouco com o de TSA.

De acordo com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro de 1993, Autoridade de Saúde é entendido como o “poder de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da doença e promoção e manutenção da saúde, pela prevenção dos factores de risco e controlo de situações susceptíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde da pessoa ou dos aglomerados populacionais” e cujas competências prevista para o seu exercício estão claramente definidas naquele diploma legal. Nesse sentido, e na qualidade de representante do Estado, o seu papel resume-se a actos burocrático-administrativos, na forma de pareceres do tipo “faça-se”, “cesse-se”, “inicie-se”, sempre com base em informações técnicas legalmente suportadas, assumindo-se que a “legalidade” assenta na evidência. Assim, podemos falar na competência para decidir o que é bom, ou não, para a saúde das populações, que de técnico tem muito pouco – ou nada.
Por outro lado, o Médico de Saúde Pública, e de acordo com o capítulo IV do Decreto-Lei n.º 73/90, de 6 de Março de 1990, é um profissional habilitado para assegurar as actividades de promoção de saúde e prevenção de doença na população em geral, ou em determinados grupos que a integram, estando abrangidas pelo seu perfil profissional, e a título de exemplo, a avaliação das condições sanitárias de instalações, estabelecimentos, empresas, habitações ou outros locais, bem como de produtos ou actividades que façam perigar a saúde humana.
Exemplificando: se é o MSP que pode avaliar/verificar as condições de instalação e funcionamento de um determinado estabelecimento, é a AS que atesta que esse mesmo estabelecimento representa, ou não, perigo para a saúde pública, podendo os dois (MSP e AS), ser a mesma pessoa. Confuso, eu sei!

A questão que entretanto se coloca é quem é que avalia e quem é que atesta.
Se a avaliação pode ser feita, tanto pelo MSP como pelo TSA, já o atestar que determinada situação não representa risco para a saúde pública, é competência exclusiva da AS.
Assim sendo e assumindo que todos os “macacos estariam no respectivo galho”, o técnico poderia verificar as condições de instalação e funcionamento, em vistoria ou decorrente da apreciação de um projecto e, com base na sua informação técnica, seria a AS a determinar se o estabelecimento reunia as condições conducentes à sua actividade, sem risco para a saúde, emitindo o respectivo parecer.
Entretanto, o que se verifica é que muitas das actividades que podiam ser desenvolvidas pelos TSA estão atribuídas às AS, por legislação sectorial, como é o caso de algumas vistorias, o que obriga, invariavelmente, à sua presença nesses actos (veja-se o Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março).

É aqui que entra a questão da delegação de competências, que alguns alegam ser inconstitucional.

Como o número de MSP, e consequentemente o número de AS, tende a diminuir e em muitos serviços de saúde pública, de âmbito local, nem sequer existem, há que garantir as condições conducentes à manutenção da saúde pública, pelo que ao abrigo da secção IV, do capítulo I, da parte II do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro e do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 286/99, de 27 de Julho foram (não sabemos se ainda são) delegadas aos TSA, competências atribuídas às AS.

Hoje, durante a conversa, o MSP/AS dizia-me – em função da muita responsabilidade que temos, somos mal pagos.
Retorqui – acredito, mas os TSA que têm delegação de competências assumem as mesmas responsabilidades e não recebem nada por isso. Além de que foram, e em muitos casos ainda são, o garante de porta aberta de muitos serviços.
Haaaaaaaa… mas a delegação de competências é ilegal
– disse ele.

Terminei (este assunto) relembrando que como em tudo, desde há muitos anos a esta parte, a importância releva em função do interesse. Se hoje lhes interessa haver delegação, encaram-na como legal, se amanhã é um entrave, anunciam-na como inconstitucional.

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 286/99, de 27 de Julho foi, na sua maioria, revogado, mas o artigo alusivo à delegação de competências manteve-se em vigor. O mesmo se passa com o Código do Procedimento Administrativo.

Nós por cá, agora sem delegação de competências, continuamos a receber o mesmo, tal como dantes.
Nós por cá, tal como dantes, continuamos a garantir a porta aberta.

Proibido fumar

«A lei antitabaco vai entrar em vigor dentro de um mês. As empresas terão de criar espaços livres de fumo para os seus trabalhadores.

A partir de Dezembro, os portugueses vão começar a receber em casa informação concreta sobre a nova lei antitabaco, que entra em vigor dentro de pouco mais de um mês, mais especificamente a 1 de Janeiro de 2008. Muito se tem falado dos restaurantes, cafés e afins que terão de se adaptar às novas restrições, mas em Portugal a grande maioria dos fumadores passivos continua a assistir a um desrespeito diário e contínuo dos seus direitos básicos ao inalar a nicotina alheia num local que não podem, de todo, evitar: a empresa onde trabalham.

Esta semana, no lançamento da campanha ‘Respirar bem’, o responsável da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Francisco George, disse que os “portugueses devem tornar-se exigentes no sentido de procurarem espaços sem fumo”, lembrando que, juntamente com a DGS, outras entidades irão estar de sobreaviso na fiscalização rigorosa da nova lei, nomeadamente a ASAE, a Direcção-Geral do Consumidor, a PSP e a GNR. Como lembrou o director-geral da Saúde, com esta lei “a redução da morbilidade pode começar a ser visível num prazo de três a cinco anos”. Recorde-se ainda que, segundo o estudo americano ‘Business costs in smoke-filled environment‘, [que pode ser consultado a partir do sítio Americans for Nonsmoker’ Rights], em média, os fumadores perdem seis dias de trabalho por ano.

Não obstante a regra de proibição de fumar que vai agora entrar em vigor, os trabalhadores fumadores poderão fazê-lo nas zonas ao ar livre junto ao edifício ou nas chamadas salas de fumo — áreas criadas expressamente para o efeito e que deverão estar devidamente sinalizadas com dísticos visíveis. Aos empregadores cabe definir quais são estas áreas, após consulta aos técnicos de segurança, higiene e saúde no local de trabalho e aos representantes dos trabalhadores.

Para os prevaricadores, a lei prevê coimas que podem variar entre os 50 e os 1000 euros para os fumadores (que fumem fora das áreas permitidas) e os 2500 e 10 mil euros para os empregadores (que permitam o fumo ou não sinalizem devidamente as áreas reservadas aos fumadores). Para já, são ainda poucas as empresas, sejam privadas ou estatais, que converteram os seus espaços de trabalho em lugares livres de nicotina. Mas já existem exemplos dignos de registo onde a experiência se tem saldado pela positiva.

Num programa de desabituação tabágica orientado pela farmacêutica GlaxoSmithKline estão inscritas mais de duas dezenas de organizações empresariais, onde se contam, por exemplo, a RTP, Xerox, a Edifer ou a Prosegur, segundo informação institucional da farmacêutica. A Câmara Municipal de Mafra [à qual já aqui tinhamos feito referência] foi também uma das entidades que aderiu ao programa, por iniciativa do vereador da Saúde e Acção Social, Armando Monteiro, médico e ex-fumador (chegou a fumar dois maços por dia). Nos corredores da autarquia, os cinzeiros foram convertidos em floreiras e agora os fumadores resistentes apenas podem alimentar o vício fora do edifício.

Conscientes da nova realidade que se avizinha, têm sido já muitos os que, a título particular, começaram a recorrer às consultas de desabituação tabágica, fundamentais para ajudar no processo de desintoxicação, até porque estima-se que apenas 5 a 10% dos fumadores conseguem libertar-se do vício sem ajuda profissional. Com a entrada em vigor da nova lei, está prevista a criação deste tipo de consultas em todos os centros de saúde e hospitais do país.»

In Expresso Emprego, por Marisa Antunes.

Tudo isto resulta da entrada em vigor, já no início de 2008, da Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, que aprova normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.

Entretando, a DGS, poucos dias depois, fez sair a Circular Informativa nº 28/DICESperguntas e respostas acerca da Lei 37/2007, de 14 de Agosto – e mais recentemente a Circular Informativa nº 37/DSPPS/DICESmedidas de protecção contra a exposição ao fumo ambiental do tabaco em estabelecimentos onde sejam prestados cuidados de saúde – e cuja leitura aconselhamos.

Relembramos que em Julho de 2006 já aqui tinhamos abordado este tema, ainda que de forma indirecta, aquando da publicação dum artigo de opinião no Portal Tecnologias da Saúde Online, onde se respondia à questão: “Acha que a população portuguesa se preocupa com as questões de Saúde Ambiental?” e que em breve iremos transcrever para o blogue.

A Saúde Ambiental em estágio

Foi no post intitulado “A Saúde Ambiental na Saúde Pública” que vos dei a conhecer como se iniciam os estágios dos alunos do 3.º ano de Saúde Ambiental da ESTeSL que passam pelo Serviço de Saúde Pública onde, desde há 10 anos, tenho vindo a desempenhar funções.

Nessa ocasião fiz referência ao trabalho em sala “onde fazemos um enquadramento teórico daquilo que é a Saúde Pública, a sua evolução histórica (em Portugal), dando enfoque ao papel fundamental que os Drs. Arnaldo Sampaio e Gonçalves Ferreira tiveram naquilo que hoje conhecemos como sendo a Saúde Pública ao nível dos Cuidados de Saúde Primários e apresentando um modelo esquemático da estrutura organizacional dos serviços (…).”

Mencionam-se as “atribuições dos Serviços de Saúde Pública de âmbito local e caracteriza-se o Centro de Saúde e a sua área geográfica de intervenção (freguesias de Forte da Casa, Póvoa de Santa Iria e Vialonga). É feita uma abordagem daquelas que são (ainda) as competências da Autoridade de Saúde e termina-se aludindo a algumas actividades desenvolvidas, reforçando o papel do Técnico de Saúde Ambiental nos serviços.”

Agora, que já tornei a apresentação “mais leve”, deixo-a aqui para que a possam visualizar, comentar, e eventualmente aproveitar alguns diapositivos ou ideias, em actividades que venham a desenvolver.

Arsénio na água para consumo humano

O Arsénio e os valores paramétricos encontrados na água de consumo humano têm sido notícia nos últimos dias.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 243/2001 de 5 de Setembro, que “regula a qualidade da água destinada ao consumo humano e tem por objectivo proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes de qualquer contaminação da água destinada ao consumo humano, assegurando a sua salubridade e limpeza”, o valor de referência é de 10 ?g/l As, não sofrendo, este parâmetro, qualquer alteração decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 306/2007 de 27 de Agosto, que irá entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008 e que revoga o anterior.
No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza o limite de 50 de microgramas por litro de arsénio, considerando que este valor acautela a salvaguarda da saúde pública das populações.
A opção tomada no espaço da União Europeia, que culminou com a redução do valor paramétrico, resultou de uma postura preventiva, de grande exigência, e que não foi adoptada noutras regiões do mundo, onde a preservação da saúde pública continua a ser assegurada pelos padrões da OMS.
Sendo assim, estejamos descansados… ou talvez não.

«Quatro de 51 concelhos portugueses ultrapassaram em 2006 o limite legal de Arsénio na água, um metal pesado que um estudo confirma ser um factor de risco de cancro em bebés cujas mães beberam água contaminada durante a gravidez.

Quatro dos 51 concelhos analisados no ano passado pelo Instituto Regulador da Água e Resíduos (IRAR) ultrapassam o limite máximo de arsénio permitido pela lei, segundo o item “Qualidade da Água para Consumo Humano” do Relatório Anual do Sector das Águas e Resíduos.

Em destaque está o concelho de Évora, com um incumprimento de 7,50 por cento nos níveis máximos permitidos de arsénio na água, seguido de Barcelos (5,0 por cento), Vila Franca de Xira (2,86 por cento) e Pombal (1,75 por cento).»

Segundo uma equipa do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), os filhos de mães que tenham ingerido, durante a gravidez, água contaminada com arsénio apresentam alterações na expressão de alguns genes que pode, eventualmente, originar mais tarde cancro e outras doenças.

Esta descoberta, publicada na “PLoS Genetics”, é a primeira evidência publicada de alterações em genes originadas por uma exposição pré-natal a um contaminante ambiental.

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Informação recolhida no Portal Ambiente & Saúde e no Jornal Público.

A Saúde Ambiental na Saúde Pública

É no segundo semestre do 3.º ano do Curso de Saúde Ambiental que tem lugar o Estágio de Aprendizagem II.

Nós por cá, no Serviço de Saúde Pública do Centro de Saúde da Póvoa de Santa Iria (concelho de Vila Franca de Xira), desde há alguns anos, temos recebido estagiários da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, depois de no fim da século passado também por aqui terem passado alunos do Instituto Superior de Educação e Ciências.

Regra geral, ainda antes do “arregaçar de mangas”, passamos um ou dois dias em sala, com os estagiários, onde fazemos um enquadramento teórico daquilo que é a Saúde Pública, a sua evolução histórica (em Portugal), dando enfoque ao papel fundamental que os Drs. Arnaldo Sampaio e Gonçalves Ferreira tiveram naquilo que hoje conhecemos como sendo a Saúde Pública ao nível dos Cuidados de Saúde Primários e apresentando um modelo esquemático da estrutura organizacional dos serviços (até à reestruturação dos serviços – este ano teremos que reformular a apresentação).

Faz-se referência às atribuições dos Serviços de Saúde Pública de âmbito local e caracteriza-se o Centro de Saúde e a sua área geográfica de intervenção (freguesias de Forte da Casa, Póvoa de Santa Iria e Vialonga). É feita uma abordagem daquelas que são (ainda) as competências da Autoridade de Saúde e termina-se aludindo a algumas actividades desenvolvidas, reforçando o papel do Técnico de Saúde Ambiental nos serviços.

Depois… bem, depois metemo-nos ao caminho para que os estagiários possam conhecer, efectivamente, aquele que será o seu “campo de batalha”.
Visitamos as três freguesias, percorrendo caminhos, muitos deles que jamais serão trilhados no decurso do estágio, mas que lhes permite terem a percepção do manancial de oportunidades que terão, para desenvolver um estágio de qualidade (marketing puro e duro).

Esta é uma metodologia inicial de trabalho, utilizada também no internato geral de medicina (ano comum), que não é diferente, melhor ou pior. É a nossa e tem dado frutos.

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Fotografia: uma das vistas possiveis na freguesia de Vialonga.

Imbecilidade viral

Foi considerado pelo Tribunal da Relação de Lisboa como justificado e legítimo o despedimento de um cozinheiro infectado com HIV que trabalhou, durante sete anos, no hotel do Grupo Sana Hotels. Foi então confirmada a decisão já tomada pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.
No acórdão pode ler-se que “ficou provado que A. é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluidos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida”. Foi esta a razão apontada pelos magistrados que os levou a concluir que se continuasse a ser cozinheiro representaria “um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante do hotel”.

É nestas alturas que me sinto deslocado.
É nestas alturas que me interrogo se se justificará continuar…

Quantos de nós terão já ido às escolas falar sobre este tema? E quantos de nós é que utilizam, de forma recorrente, o velhinho discurso que dá conta de que o risco de transmissão do vírus HIV é mínimo, se tivermos em conta a não assumpção de comportamentos de risco?

Quantos de nós é que estarão a pensar que esta gente foi alvo de doença rara, tipo imbecilidade viral, mais mortal que qualquer HIV??

Posso então deduzir que os senhores magistrados não têm dentes cariados, não comem em restaurantes, bochecham e gargarejam, com qualquer solução desinfectante (??!!), antes de deglutir qualquer pedacinho de comida ou, em última análise, têm acesso aos ficheiros clínicos dos seus empregados, que lhes preparam as refeições.

Leiam tudo acerca desta… !!&?%=@;<..., se ainda houver paciência para tal, aqui, aqui e aqui.

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Imagem recolhida em WarShooter.